terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Enquanto eu estava chupando

Inerte estava quando uma ordem vinda inocente me pôs em movimento. Então me movi. Parecia pronto e aberto ao mundo. Só esperando algo grandioso me arrebatar e mudar minha vida para sempre. Sim, eu estava aberto. E de repente ele se materializa em minha frente e sorri um riso malvado, de quem sabe que me domina. Eu ignoro. Finjo que nem o vejo. Mas você sabe, de alguma forma, que está sob controle de tudo ao seu redor. E com certeza sabe de mim. Em uma das mãos eu carregava um sorvete tão frio quanto ele. O meu calor o derretia, mas antes disso, eu chupava o máximo que podia, o mais rápido que podia. Entre seus amigos havia essa energia informal de poder, como se sem fazer nada, fossem indispensáveis àquele lugar, naquele momento. Era a segunda vez que o via. Eu ia longe. A avenida se estendia infinita em minha frente e costas. Ele parecia me perseguir, já sentia sua respiração lenta e calma no meu pescoço. Algo me dizia que ele sabia. Frio. O sorvete me congelava inteiro. O sorvete era ele. E enquanto eu o chupava, a distancia entre um poste e outro aumentava. Meus passos não venciam aquela avenida. E eu nem tive coragem de dizer “oi” dessa vez. Se dissesse me entregaria na primeira sílaba que saísse da minha boca. Porque ela já está nele. E não poderia lhe estender a mão, para cumprimentá-lo, sem também lhe entregar a alma.

2 comentários:

  1. Gostei da imagem que usou pra esse post, os quadros da Frida Kahlo são sempre muito profundos e cheios de uma realidade só dela assim como esse teu texto. Imagem e escrita em perfeita sintonia.
    "E não poderia lhe estender a mão, para cumprimentá-lo, sem também lhe entregar a alma." Que bonito isso.

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