segunda-feira, 20 de julho de 2009

Sobre uma manhã de domingo

Encostado na parede amarela. Manhã de domingo. Encostado de costas para a janela. Ao lado da janela. Penetrando os olhos e o corpo em idéias. Lendo ‘Lavoura Arcaica’. Tentando entender. Tentando entender um pouco e assim o suficiente, para acalmar minha excitação. Dessas coisas não se entende tudo. Só o necessário. É tudo sensorial. Eu captava os sinais, os sentimentos com antenas vivas. Veio uma idéia, do nada, no meio da leitura. Vou escrever um texto sobre a festa. Odiei a festa e minha namorada pediu para eu buscar um refrigerante. Eu não queria sair da mesa, sozinho e enfrentar aqueles estranhos. E ter que andar sozinho, e passar por olhares e vozes, e não poder ouvir o que dizem e não poder ouvir o que pensam. Pedi para ela ir comigo, enrolei, pedi de novo. Não! Não era a resposta. Enquanto pensava em escrever isso, ouvi vozes no outro cômodo da casa, era uma discussão. Familiar, era a mesma discussão sempre. O mesmo assunto, as mesmas acusações, o mesmo diagnóstico. O cérebro confuso não centralizava os pensamentos. Concentração. Fingi que não ouvi nada. E naquela festa o refrigerante trouxe mais do que gás e açúcar. Estava gelado e a noite era escura. Era o fim. Era talvez um teste de submissão. Ela está sempre me testando, para saber até onde ela pode ir. Mas só o teste já é ir longe demais. E quando deixei aquela mesa para buscar o refrigerante, eu também a abandonava em segredo. E a sentia longe. O começo era incerto e o fim, e o perigo do fim? O caminho era mais longo sozinho. Talvez se ela estivesse do meu lado nada disso estaria acontecendo. E nada estaria claro agora. Ainda estaria entorpecido. Ela havia fumado maconha naquele dia, mesmo sabendo que eu odeio. Odeio fumaça, odeio isso porque já tenho fogo e fumaça demais aqui dentro. Já estava acabando há dias. No sexo ela gozava quatro vezes e eu nenhuma. Não sinto o calor daquele corpo. E a frieza da lata de refrigerante, e o peso da lata. Alguém bateu na janela. Era a voz da discussão que havia ocorrido minutos atrás no cômodo ao lado. Ela vinha para tentar tapar buracos. Os ecos da discussão ainda permaneciam e o choque do corpo com o eco me causou um choque. E a leitura interrompida. A festa estava acabada. Estava decidido, eu precisava ir embora. Era o fim do sexo novo, sexo com detalhes, sexo temperado. Era o fim dos abraços e do apoio mutuo. E a amizade? Aquela discussão não discutida era insistente e eu ainda ouvia vozes. Discutir é necessário. O cansaço de sempre ver e sentir o mesmo problema. O mesmo defeito. A manhã de domingo era nebulosa, gritos e uivos lá fora. Som alto. Domingo santo. Terminei o livro. Deixou meu peito cheio de dúvidas e novas certezas. Guardo a decisão lá dentro. Esse fim doeu em mim, porque eu soube que era o fim primeiro. No momento que eu levantei para comprar aquele bendito refrigerante. Esse fim,será minha arma. Toda vez que fizermos sexo eu vou me lembrar dele, e assim alcançarei o gozo. E quando ela estiver distraída pedirei para ela comprar algo. E quando ela voltar, só irá encontrar os restos do gás do refrigerante frio. E o oco, o vazio que deixei. Enquanto penso nisso as soluções fáceis me fogem e despenteio os cabelos para pensar mais e melhor. Sei que é o fim, sei que preciso ir agora. É tudo uma grande paca teatral. Isso ficou claro entre ruídos de lembranças da festa, do livro e das discussões evitadas, da fala não dita. Vendo isso que escrevo penso, percebo como pequenas coisas afetam tudo. É o acumulo de erros insignificantes. É o acumulo de tempo perdido. Amanhã vou devolver esse livro e pensar na proposta indecente que ela me fez. Penso que sou cruel, maldoso. Mas só possuindo ele é que me sinto seguro. Só tendo o fim comigo, só tendo a certeza de que quem dirá a última palavra sou eu. Minhas costas estão frias por causa da parede amarela. Preciso me aquecer e ver como anda a ressaca dela, a minha já passou e eu nem senti dores. Se tive já curei, ou aprendi a viver com elas. Ouço alguém varrer aquele cômodo que antes assistiu a discussão e depois ficou vazio, e agora é limpo por mãos que não vejo, por mãos que não sei se são boas ou más. E agora há o silêncio.
Escrito por Rafael Franco