segunda-feira, 29 de junho de 2009

Don't Smoke.

Na ponta dos dedos amarelados da mão esquerda estava um cigarro quase inteiro. A moça chupava o cigarro como se fosse um ato sexual e quando fazia isso a luz na ponta do cigarro ficava mais intensa.
No escuro ali jazia sozinha com medo de esperar demais e perder alguma coisa.
Pensou em jogar o cigarro fora, mas desistiu e tragou. Havia sombras, vultos e talvez olhares ocultos. A fumaça subia e se espalhava lá no alto.
Ela nem notava, estava apreensiva e queria roer as unhas. Não podia por causa do cigarro, ou se faz uma coisa ou outra. Vinha lá de dentro algo novo, novo no momento porque o sentimento era reconhecível, era antigo e crônico. O cigarro já quase no fim. Era fome ou sede, ou vontade, porque qualquer vontade é fome. A solução é saciar as vontades.
O cabelo curto rasgado á navalhas e bagunçado não se movia com as provocações do vento. E a luz do poste não iluminava o suficiente para se ver o que se quer.
A espera se tornava obesa. O peso não era visível, nem o formato. Não era palpável e se mantinha ali logo embaixo do umbigo. Ânsia de saber tudo, de ter tudo, de alcançar tudo.
Não sentia frio, nem medo. O calor do fogo da ponta do cigarro parecia ser o fogo dela. Sugava a fumaça faminta e algo em seu útero mantinha-se aceso.
Entre as pernas uma abertura que era secreta e que revelaria a quem tivesse a mesma fome e a mesma força que ela. Tem coisas que são só de uma pessoa e mesmo quando se dá ainda é nosso. E se a coisa for muito nossa quando se dá o outro tem uma parte de nós e irá lembrar sempre, ou irá sofrer, ou rir, ou nem se importará.
A abertura guardava suas verdades e suas vozes. Seu livro deveria ser lido por alguém inteiro, como ela, que era inteira em tudo. Intensa nas pequenas coisas, no chute e na respiração agora ofegante. Era extremamente inteira como uma pessoa deve ser. A entrega tem que ser absoluta. - Ele não vem! Disse com uma voz seca e inaudível até para ela mesma. Porque tem verdades que sabemos, mas não queremos ouvir, nem falar em voz alta, nem imaginar, porque é duro. E às vezes nos enganamos fingindo não ver verdades que quase sempre estão expostas e acessíveis a olho nu.
Era o fim da rua, perto da esquina. A luz não mostrava tudo e a visão era prejudicada.
Os dedos amarelados soltaram o cigarro que caiu no chão. A chama ainda permaneceu acesa por alguns instantes e logo se apagou.

Escrito por Rafael Franco

terça-feira, 23 de junho de 2009

Sobre fome, fé e o que for preciso.

Aquela pessoa de fé cega disse que sou maçã. Disse também que há coisas que são proibidas. Falou de um livro ancestral que pelo que percebi é como um manual de instruções para ele. E talvez por eu não seguir o que está escrito em um livro que já era para ter sido deteriorado pelo tempo, ele me julga inferior. Não jogo lixo no chão, nas ruas. Sou bom (na medida do possível). Acho que tenho o mesmo direito do que qualquer um. Não ando com pescoço de girafa, pelo contrario ando até meio soterrado. O mais básico é a fome e o sexo. A fome tem amplos e diversos significados - Fome de mundo. E naquela sala onde na TV passava outro reality show a discussão inflamava. Sou ateu, não acredito em tudo. E claro que tenho fé, pois fé é vital. As novas invenções se tornaram cada vez mais essenciais. Na internet falam o que estão fazendo – coçando o saco. E tudo começou pela web. Ele continua a afirmar que sou maçã, que sou um teste para provar sua fé, que sou um brinquedo das forças inimigas, que sou... O seu medo era maior que as palavras e sua boca começava a mudar de cor, tremer. Eu tinha fome e ele também. Mas a fome viva, a fome não saciada se dilata e ocupa o corpo como se fosse outro corpo. Outro eu mais monstro, mais cru, mais humano. Sendo humano cometo erros e gosto. Não só pela diversão do tiro torto, mas pelos remorsos. As vezes a dor faz falta, o sofrimento de algo que falta. A vida é um grande emaranhado de conclusões, dúvidas, cabeças, cornos e patas colidindo. Necessidade vital: Fome – Come a vida! Se engasgar cospe e come de novo. Aquele velho livro mofado, não me diz nada e se tento tocá-lo as páginas de desintegram. Nada ali é útil para mim. Sempre pensei que não usasse muletas por não ter religião, a escrita é minha muleta. Ando capengando. A vida é para ser vivida, sentida e nada do que foi escrito há milênios me fará evitar ou mudar, como penso como vivo ou como me alimento.

Escrito por Rafael Franco

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Asfixia Generalizada


Elevador (eleva-dor), apartamento, engarrafamento. Asfixia generalizada, hipocrisia generalizada.


Tudo em potes


- Vende-se ar enlatado!

- Vende-se ar em conserva!

Velejando pelo ar áspero, arenoso e pesado dessa região que também é Brasil.

Conversa paralela entre interlocutores ocultos; Ouço vozes...

- Já chegaram? Estão atrasados?

6:30pm / Am / Fm ... O PM chegou desarmado.
Ansiedade incontrolável, a espera de algo que talvez seja inteiro (inteiro só meu).
Pelo menos se fosse o começo de algo.
Colarinho apertado
Como se usasse coleira. Como se pertencesse a alguém. Como como se nunca tivesse comido.
Sinto fome no útero que nem tenho.
Epidemia, pandemia, pantomima.
Novas narinas procuram o prometido novo ar. Mas nem há.


Nem A nem R ...


n

a

d

a.


Escrito por Rafael Franco